terça-feira, 10 de abril de 2012

A propósito do Dia Mundial de Teatro-2012



Este ano, particularmente inserido num contexto educativo, artístico e impulsionador de formação de teatro, o Governo Regional da Madeira, através da Secretaria Regional da Educação e Recursos Humanos, tem vindo a promover criações teatrais indiscutivelmente de boa qualidade, tendo sempre presente a «matéria humana» e o trabalho do ator, que confere realidade, consistência e densidade a tudo quanto acontece no palco.
Durante março de 2012, um pouco por toda a Região Autónoma da Madeira, foram realizados diversos eventos culturais para impulsionar o teatro, elevando esta arte efémera e também imortal, através de mostras de teatro escolar, teatro sénior, festivais de teatro amador e apresentação de espetáculos de companhias de teatro, com o objetivo de reforçar a aproximação do teatro com o público em geral. Foi exemplo disso mesmo a aluna Beatriz Melim de 17 anos, vencedora absoluta do Concurso Jovens Artistas 2012, que se realizou a 25 de março no Fórum Machico.
Beatriz Melim apresentou uma adaptação de um texto de Raúl Brandão “O Avejão”, com a colaboração dos professores das classes de teatro Miguel Vieira e Paula Rodrigues.
Por uma questão, de gratidão e respeito por estes e, tantos outros jovens atores e amantes do teatro, disponíveis para a aprendizagem de praticas teatrais, com quem me tenho cruzado dentro e fora do âmbito da Temporada Artística 2012 dedico aqui, abertamente, algumas reflexões. «Será que teremos de reinventar o teatro?». «Será que não nos apropriamos (quase) sempre dos mais antigos princípios e métodos de teatro, como prática vocacional e profissional?». «Será que não é possível gerir escassos recursos, não cedendo ao essencial do teatro?»
«Mas afinal o que é o essencial no teatro? Serão somente os figurinos, os cenários, o reforço musical, as luzes e a escolha de um bom texto?»
Como admirador incondicional da visão do encenador inglês Peter Brook exponho que o ato teatral assenta num espaço vazio, em que alguém atravessa esse espaço contando uma história, enquanto outra observa. Nada mais é necessário para que ocorra o «fenómeno teatro».
Peter Brook nasceu em Londres em 1925. Ao longo da sua carreira distinguiu-se em diferentes géneros como o teatro, a ópera, o cinema e a literatura. As suas produções destacam-se pelas suas pesquisas permanentemente atualizadas de aspetos culturais e integrativos, em busca do mínimo na compreensão teatral, quer em termos cenográficos, quer em relação ao trabalho do ator (estética), tendo em consideração a alegria e o prazer de brincar ao teatro (ética) estruturado em torno de um encenador - formador (técnica).
Com a perfeita consciência da sua importância para o reforço de uma encenação de teatro, não aceito encarar a escassez de meios técnicos e financeiros como obstáculo à criação teatral. Muito pelo contrário, fornece excelentes condições para que o trabalho de criação invista no essencial, nos atores: no seu poder de convicção, na sua imaginação, na sua dádiva. Por esta razão valorizo a disponibilidade daquela jovem artista, com toda a sua fragilidade, perante uma plateia preenchida de espectadores, possibilitou-nos compreender mais a fundo o aspeto principal no teatro – «a matéria humana e a entrega dos atores».
Como foi possível isso acontecer, apesar das insuficiências do cenário, dos adereços, da luminotecnia, dos figurinos?
Seguramente porque a atriz tinha trabalhado para acreditar que, durante o tempo da sua apresentação, ela era, realmente, aquela personagem, «habitante de carne e osso deste universo», tão complexo (a vida e a morte) e, sobretudo, totalmente coerente e credível para todos nós.
Termino, com a convicção de que, sempre que o objetivo principal de alguém (monólogo) ou de um grupo de pessoas que se juntam «seriamente a brincar» para contarem histórias significativas à comunidade a que se dirigem – isso é TEATRO.

Rui Mimoso
Professor do Ensino Superior
(área do Teatro) e encenador

segunda-feira, 2 de abril de 2012

(Ainda) vale a pena investir no teatro!


(Ainda) vale a pena investir no teatro!

PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA do "Jornal da Madeira" | Fevereiro de 2012 | Por Agência Lusa

Numa altura em que se discute exaustivamente na região, sobre a falta de condições financeiras para futuras programações artísticas para 2012. Num cenário de cortes orçamentais em todos os setores da sociedade civil, como é o caso da Saúde, Desporto, Educação e Turismo é evidente que a Cultura sendo conectada, desde longa data, como parente pobre no desenvolvimento social, também tem consequências. Veja-se o caso do teatro D. Maria II cujo antigo diretor artístico, o ator e encenador Diogo Infante, depois de ver chumbada a sua proposta de 1,2 milhões de euros, incompatibilizou-se com a Secretaria de Estado da Cultura tendo-se não só demitido, como também passou o testemunho ao pedagogo teatral e encenador João Mota, que aceitou o desafio de organizar a temporada deste ano com meros 725mil euros.

Com este exemplo de «con(gestão) cultural» não pretendo avaliar se está certo ou errado, nem me pronunciar sobre quem possa ter razão. Mais do que julgar, pressinto, que já entrámos na era da reutilização, rentabilização e reorganização forçosamente criativa, quer de recursos humanos, quer de meios estruturais na conceção de projetos performativos, no âmbito da educação artística, sejam eles uniformes ou de cariz multidisciplinar.

Neste seguimento urge-me relatar uma ida à peculiar sala de espectáculos do Teatro Municipal Baltazar Dias para assistir à estreia da peça de teatro "A Fúria de Shakespeare", pelo grupo Porventura teatro, do Gabinete Coordenador de Educação Artística, com encenação de Miguel Vieira. Uma exibição cuja assistência esgotou nos dois dias que esteve em palco Confesso que saí de lá preenchido. Matei o jejum de meio ano de teatro amador. Com todo o respeito e admiração que possuo por todos os outros grupos de teatro amador espalhados pela região.

No meu entender, é assim que tem de ser. Paga-se um bilhete, para assistir a um espectáculo, seja de que área artística for e não se questiona mais sobre se valeu a pena. Sem mágoas ou angústias, por ver mal gasto o dinheiro dos contribuintes.
Vi um cenário simples e rotativo. Reutilizável e bem aproveitado. Os figurinos são da casa e já têm alguns anos de uso, mas continuam a servir para os atores brilharem. E esse feito, foi conseguido pelos catorze atores, na íntegra. Qualquer grupo de teatro que consiga verdadeiramente proporcionar prazer a um público, rompendo a cortina do aborrecimento, já justifica a sua existência.

No entanto, não posso deixar de destacar o coletivo que, para mim, foi o grande vencedor deste projeto. Enquanto intervenientes foram fiéis às suas personagens com uma permanente energia, com sistemáticas entradas e saídas de cena, durante todo o espetáculo com uma frescura de energia em cascata, com base no prazer de «brincar ao teatro». Para citar Peter Brook: “o ator que acredita poder um dia representar a personagem de Hamlet tem uma energia ilimitada.” Foram exemplos disso, as aclamações em voz alta, fora de ritmo ou bizarras, os monólogos sem fluência ou até mesmo as contracenas com diálogos rígidos e recheados de inocência.

Por sua vez, o encenador não só mostrou maturidade cénica em optar por uma criação teatral despida de preconceitos, revelando todos os defeitos de um ator amador com reflexos condicionados, ou seja, “tudo aquilo que um ator não deve fazer em palco”, como também conseguiu encenar uma comédia baseada em arquétipos sociais, distribuídos pelos atores, como quem tem «olho clínico» para o teatro.

Por tudo isto, continuo a insistir que (ainda) vale a pena investir no teatro!
Rui Mimoso
Coordenador Equipa de Animação do GCEA, professor de teatro e encenador.

sábado, 5 de novembro de 2011

Práticas de Expressão Dramática em sala de aula


Práticas de Expressão Dramática em sala de aula

Como professor de inúmeras turmas de Expressão Dramática, ao longo destes últimos anos (cheguei a possuir 12 turmas desta disciplina de oferta de escolas, por ano letivo), tenho vindo a constatar que muitos colegas de outras áreas me solicitavam para possíveis articulações de conteúdos e actividades com as suas disciplinas, como o Inglês, Língua Portuguesa, Artes Visuais, Área de Projecto e inclusivamente a Matemática,

Neste sentido, fica aqui a apresentação de uma proposta de actividade, acessível a todos e nas quais os alunos (3º Ciclo) mostraram-se bastante entusiasmados e disponíveis para contribuir para um trabalho do professor. NO ENTANTO, RESSALVO QUE ESTE TIPO DE INFORMAÇÃO, NÃO DISPENSA OS PROFESSORES DE FORMAÇÃO CONTÍNUA NA ÁREA DO TEATRO E EDUCAÇÃO.

Após uma fase inicial de adaptação e consolidação dos diferentes grupos de trabalho, através de jogos de desinibição, concentração e confiança, podem realizar exercícios de improvisação planificados, em sessões semanais de 90 minutos, em que o procedimento pode ser o seguinte:

1. Apresentação aos alunos da cena a trabalhar – nome da peça; personagens intervenientes na cena; contextualização.
2. Leitura da cena e compreensão da mesma. Primeira leitura, para familiarizar os alunos com o texto; segunda leitura, para compreensão do texto, onde cada um assinalou a lápis os termos e conceitos desconhecidos. Seguia-se uma discussão em grupo, em que se procedia ao esclarecimento dos significados e a um resumo geral da cena.
3. Definição do objectivo da cena – discussão com os alunos sobre a temática da cena, iniciada a partir das “perguntas-provocação”, e definição do valor humano a trabalhar com a mesma.

4. Escolha da personagem por cada aluno e definição de um objectivo individual para cada personagem na cena. Este objectivo individual serve de guia para a improvisação, de modo a que cada personagem tenha funções bem definidas e limites de acção bem esclarecidos.

5. Apresentação das premissas de cada personagem, de modo a definir a improvisação a realizar. Nesta fase, os alunos intervenientes na improvisação realizam uma reflexão sobre a informação inicial (aquilo que eu já sei) individual (sobre a sua pessoa e que poderá ser aproveitado para a personagem) e colectiva (sobre os valores humanos a abordar na improvisação).

6. Realização da improvisação – de acordo com as premissas, regras e reflexões apresentadas.

7. Reflexão depois da improvisação – colectiva (sobre questões éticas, estéticas e técnicas abordados na improvisação e as conclusões atingidas).

BOM TRABALHO, aos futuros professores de EXPRESSÃO MUSICAL E DRAMÁTICA!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A União do Drama com a Educação

Desde muito cedo, que as Ciências de Educação fazem parte das áreas científicas que se estenderam com
maior evidência à Educação Artística e que por essa mesma via, têm vindo
a intervir e a influenciar significativamente o ensino do Teatro, 
quer nas escolas do ensino básico e secundário quer nas universidades.



Actualmente, a Educação Artística e as Ciências da Educação são um palco de uma forte articulação com grande incidência ao nível didáctico e pedagógico do ensino em geral, contribuindo não só para a inovação educacional, como em outros diversos campos de acção, com a oferta de licenciaturas em ensino e cursos superiores de especialização em Educação Artística, Educação pela Arte ou mesmo na área da Intervenção Comunitária. É neste contexto que, no século XX, a maioria dos especialistas destas áreas, defendem esta articulação, pelo seu carácter essencialmente lúdico. Instalava-se assim, a união do Drama com a Educação - Expressão Dramática. A terminologia tem evoluído, consoante as múltiplas correntes pedagógicas, fundamentadas nas teorias expressivas em que instinto, emoção e exteriorização eram os pontos fulcrais desta corrente do pensamento pedagógico e artístico. Em Portugal:
        Nos anos 50 e 60, com o surgimento da Educação pela Arte, este modelo de fazer Teatro sofre alterações ao nível da didáctica, tendo sido dado mais relevo ao desenvolvimento de emoções, fundamentada pelas teorias expressivas. O instinto, a emoção e a sua exteriorização tornam-se assim, estímulos da criatividade e pontos fulcrais desta corrente de pensamento pedagógico e artístico.


            Nos anos 70, surgem novas tendências educacionais com uma forte ligação às técnicas artísticas, como a criação e institucionalização da disciplina de Educação pela Arte generalizada, fundamentada numa Psicopedagogia das Expressões Artísticas, de forma a integrar o Ensino Artístico no sistema educativo português. O objectivo propunha à criança o desenvolvimento da criatividade e espontaneidade com livre acesso às actividades artísticas, “como forma de contribuir quer para o seu equilíbrio físico e emocional, quer para o seu aproveitamento escolar” (Santos, 1996:24).


            Nessa altura, já os pedagogos Arquimedes Santos e João Mota, entre outros, defendiam a Educação pela Arte, tentando encontrar uma ambivalência que, por um lado, promovesse a sensibilização e o desenvolvimento artístico e, por outro, proporcionasse um desenvolvimento global do indivíduo, relacionando competências ao nível dos domínios sócio-afectivo, cognitivo e motor. Estas influências encontram maior relevo na fase da Pós-Revolução do 25 de Abril, período de enorme tomada de consciência educativa e artística, e que impeliu a necessidade urgente de reformas abrangentes e amplas nestas áreas.


            A partir daqui, o ensino das Oficinas de Expressão Dramática/Teatro no sistema de ensino básico e secundário português tornou-se uma referência, com a inserção do Drama, Música e do Movimento, que com outras designações (Expressão Dramática, Musical e Corporal) se mantiveram estanques durante trinta anos. Nesta altura, tal como aconteceu em todos os sectores da vida nacional que sofreram uma profunda transformação, também as áreas culturais, artísticas e científicas depararam com um processo de profunda transformação e mudança. No entanto, esta rápida inclusão de novas reformas teve consequências pouco sólidas, que ainda hoje se verificam na vida social portuguesa, quer ao nível ético e moral, quer ao nível social, educativo e artístico. 


            Nos anos 80, foi integrada uma disciplina de opção artística de Teatro no 3º Ciclo, somente como oferta de algumas escolas. Contudo, persistem os problemas aliados à ausência de medidas legislativas justas e concretas, como a formação e colocação de professores especializados da área do Teatro.

workshop no II Congresso Regional de Educação Artística:  Ensinar ou brincar ao teatro?

        Nos anos 90, o cenário de precariedade continuou a ser o mesmo, com o documento orientador da reforma do ensino artístico especializado a constatar e a alertar para a necessidade de discutir a ausência de uma política coesa para o desenvolvimento da Educação Artística, tendo vindo a sofrer constantes alterações, conforme os programas de diferentes governos e reformas educativas, prejudicando assim, todo um clima no processo de ensino-aprendizagem inerente à especificidade desta Área.
Em pleno séc.XXI, aqui ando eu, ainda a acreditar profundamente que a Educação Artística não é um Drama, mas sim uma Ciência voltada para a dimensão espiritual do Belo e do Bem.    

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O ensino da Expressão Dramática nas escolas

O entendimento da disciplina de Expressão Dramática nas escolas do Ensino Básico e Secundário ainda é perspectivado pela comunidade escolar, como práticas teatrais de mero enriquecimento ou entretenimento curricular para os alunos, ignorando por completo que as práticas teatrais são parte integrante da formação do indivíduo, acima de tudo, pela fruição e vivência artística, que, mediante uma maior exigência e tomada de risco, permitem ao jovem aluno conhecer-se melhor a si próprio, o outro, e todo o meio social envolvente mais próximo.
O facto, é que nesta disciplina os alunos revelam-se muito mais, surpreendendo muitas das vezes, quer os professores de outras disciplinas, quer os próprios Encarregados da Educação.
Por sua vez, esta interpretação não é de estranhar, quando nas escolas se recorre constantemente à Expressão Dramática como como via de implementação de estratégias diversificadas no ensino, com o objectivo de motivar os alunos para os conteúdos programáticos de diversas disciplinas, que vão desde da aprendizagem da Língua materna e Línguas estrangeiras até a processos de aprendizagem das Ciências Exactas.
Em contexto de sala de aula, no ensino da Expressão Dramática, o espaço de aprendizagem converte-se na convocação intencional de múltiplas linguagens de expressões artísticas, tais como a Expressão corporal, dramática, musical e também poder-se-á integrar a expressão plástica, na consecução de cenários, figurinos e adereços para Teatro. Todas elas contribuem para o desenvolvimento de competências sociais e valorizam o desenvolvimento da auto-estima, auto-confiança e o relacionamento inter-pessoal no grupo.
A Expressão Dramática permite fomentar a experiência sensorial e intencional dos sentidos, desenvolvendo a intuição e a imaginação com o objectivo máximo de Expressão e Comunicação.Neste sentido, o professor actua como um impulsionador de situações artísticas, de forma a proporcionar prazer e gosto pela exploração e diversidade na criação, no desenvolvimento de saberes e competências comunicativas e relacionais, que posteriormente serão materializadas em projectos artísticos com um envolvimento sócio-afectivo dos alunos, o que eleva uma perspectiva integradora das escolas.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Como se avalia uma peça de teatro?

Há anos que me pergunto a mim mesmo: Como se avalia uma peça de teatro? É pelo vigor das palmas? Ou pela ovação do público, que recebemos no final do espectáculo? Ou será pelos inúmeros parabéns que recebemos dos amigos, simpatizantes do Teatro, dos nossos familiares e até dos profissionais ligados à Cultura (e aos subsídios)?

Honestamente, prefiro que não me digam nada. Dêem um tempo a si próprios, para digerir as ideias e a conceptualização do espectáculo em sintonia com as suas próprias convicções e emoções estéticas, éticas e também técnicas Aproveita-se muito mais, porque no Teatro não se deita nada fora! Ou também damos os parabéns a um arquitecto depois de elaborar mais uma planta de um edifício, ou, a um contabilista que terminou mais uma escritura, ou, a um padeiro que acabou de fazer mais um pão?

Esta questão, ainda me inquietou mais, quando ontem após mais uma estreia de uma produção teatral minha, uma amiga me perguntou: Então e o que diz o encenador? – Respondi-lhe: Foi estranho. Ficaram todos em silêncio, a olharem para mim - actores e amigos.

É que ao fim de alguns anos, com algum repertório de teatro acumulado e investimento contínuo em estudos teatrais, começo a reflectir mais sobre o estado das coisas…A este estado, uns chama-lhe de velhice, outros, de maturidade. Outros tantos, de sabedoria. Fiquem com o que gostarem mais.

O que eu sei, é que a maioria dos intervenientes de teatro, não têm uma ideia concreta do teatro, nem definem um caminho. Tudo se faz ao sabor do vento, das vontades e das disponibilidades da vida de cada um. Experimenta-se tudo. Improvisa-se tudo. Qualquer pessoa que tenha uma ideia gira pode encenar. Não importa a idade, a experiência e a formação. Se houver uma estratégia da comunidade cultural a garantir as despesas, ainda melhor.

Paralelamente, em vez de se mobilizar forças e iniciativas para reunir encenadores, actores, cenógrafos, técnicos de luz e de som para discutirem a sua condição de profissionais de teatro, organizam-se feiras da cidadania e mostras de teatro escolar e amador, com extensos programas de actividades e de peças em jeito de catalogação de fim-de-semana. Não convém faltar umas barraquinhas de comes e bebes, para os intervalos, não vá o “português” morrer de fome ou de sede.

Será que estes meios são propícios para se fazer e entender Teatro na íntegra? É neste contexto que podemos averiguar se o público de teatro, sabe avaliar o que é presença activa, projecção de voz e verdadeiramente contracenar?

O facto é que o teatro, ao longo destes anos todos, vai resistindo a tudo e a todos. As pessoas não: Umas vão saindo, ou porque não se aguentam neste cenário absurdo, ou porque o teatro não consegue alimentar uma família.

O que vale, é que ainda existem alguns resistentes, que ainda têm vontade de tratar o teatro a sério…Que não seja só de entretenimento de massas, mas que especialize os interessados e eduque os curiosos.

Que venham muitas mais peças, em que o elogio seja merecido. Nem que seja com o silêncio.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Tenho Saudades da Pina Bausch...




Nos anos de1996 a 98, quase a terminar a minha licenciatura na Alemanha, comecei a confrontar e a reconhecer o trabalho de Pina Bausch, que reviveu o espírito da dança alemã, ao criar nos anos 70, o conceito de Teatro-Dança, numa altura em que a concepção do ensino público em geral, ainda estavam alienadas a uma “suprema Educação e Formação europeia”, ou seja, caracterizada por uma “desprezível cultura em expressão corporal” influenciada pelo forte desenvolvimento da industrialização e civilização europeia”, a seguir aos períodos das duas guerras mundiais.
Aos poucos, o Teatro vai entrando na minha formação académica, em forma de articulação com projectos teatrais, como foi o caso da concepção da peça Teatro–Dança: “Mambo Mortal”, realizado ainda nesse País. Esse espectáculo, encenado por mim, teve como base prática, a minha tese de licenciatura, subordinado ao tema – “A intervenção da expressão corporal em projectos interculturais de Teatro- Dança com jovens de minorias étnicas.”
Passado já alguns anos, e após muitas outras experiências e formações nesta área artística,  fui assistir a uma Conferência sobre Beckett na Universidade do Algarve, desta vez com a coreógrafa Madalena Vitorino. Gostei imenso e fez-me sentir saudades da Pina Bausch.  Perguntava-me a Madalena: Ainda lecciona Dança? Ao qual eu respondi-lhe: Sim, ainda há duas ou três escolas do Ensino Oficial Básico e Secundário no Algarve, que resistem em oferecer umas horitas, para esta disciplina. Eu tenho três turmas e inseri Rudolf Laban e Pina Bausch na minha planificação. Os miúdos adoram as aulas, e até têm um pouco de teoria, perspectiva histórica da Dança e metodologias da Dança, com a integração de composições coreográficas, segundo as concepções de Pina Bausch. Ai que bom trabalhar assim - Didáctica e método alemão, em pleno Algarve desconhecido. Sim, porque ainda há secretários gerais de  Educação, que não fazem a mínima ideia onde fica a escola de Algoz. Saberão quem foi Pina Bausch? Que faleceu o ano passado e adorava Portugal? 
Resumidamente, aqui fica a minha concepção de dança preferida, quer a leccionar, quer a coreografar ou encenar projectos performativos de Dança/Teatro.
O termo “Dança” é ainda hoje, muito frequentemente conotado com a palavra “Ballet” ou outras danças performativas que se encontram “na moda”, voltadas para a realização de espectáculos de entretenimento.
Na Dança Educativa não há qualquer coreografia rígida, mas sim liberdade de movimentos estéticos e naturais. Não é relevante o ensino de técnicas, mas a espontaneidade de movimentos, que até por vezes pareçam disparatados e disformes. Por outras palavras, os seus movimentos não são regidos por qualquer concepção estética de expressão corporal. Na Dança Espectáculo, existe geralmente uma composição coreográfica, que é repetida e ensaiada até atingir um grau de perfeição e mecanização desejada.
O conceito de Dança de Pina Bausch, situa-se num nível intermédio destas duas interpretações, mais propriamente pelo sentido profissional que atingiu esta Companhia de Dança internacional. É que contrariamente ao conceito de Dança Espectáculo, Pina Bausch considera que não lhe interessa como o ser humano se move, mas sim o que os comove a mover, a dançar.
Curiosamente, o conceito de Dança de Pina Bausch entra em contradição com as definições mais clássicas de dança. O aspecto de partida do método de Pina Bausch não se situa, ao contrário das convenções artísticas que se manifestam por meio de um vocabulário tradicional, em códigos artísticos como por exemplo, repetição de movimentos expressivos e esteticamente bonitos: saltar, voar, rodopiar. Ela vai mais longe, distinguindo-se com códigos culturais, no seu sentido antropológico como por exemplo, movimentos funcionais e de transmissão de necessidades fisiológicas e psicológicas: comer, beber, amar, agredir, segurar um cigarro, matar um animal, fazer a barba, entre muitas outras.
Esta coreógrafa nunca se questiona antes dos espectáculos, como é que a suas criações vão correr. Se vão ser bem aceites ou não pelo público. O espectador é convidado a realizar a sua própria interpretação, o seu juízo de valor, gerindo os seus próprios impulsos e as suas experiências estéticas. As suas criações, não são histórias corridas completas. Ela recorre a uma espécie de colagens de diversas cenas, que normalmente acontecem ao mesmo tempo e em paradoxo. Há quem lhe chame de “Patch-Work”, como que uma manta de retalhos, que se interliga com um determinado ambiente através da música, que por sua vez, nos leva para o caminho da imaginação.
A própria afirmava que, as sua criações eram provenientes de uma colecção de montagens, que não segue uma forma narrativa linear, mas uma sequência de múltiplos desenvolvimentos cénicos, como que fragmentos de uma multiplicidade de artes.
A dificuldade de interpretar imediatamente a mensagem que Pina Bausch nos quer passar, está na ausência de códigos de dança tradicionais a que estamos habituados. Ela transfere esses códigos para aquilo, a que chama de códigos gestuais. Portanto, é a coerência corporal que nos é posta em causa. Aliás nem sequer possuímos uma gramática universal para decifrá-la. Pina Bausch recusa-se a fornecer explicações ou até significações. Ela fala de emoções e influências que nada tem a ver com a racionalidade.